As
experiências relatadas no documentário envolvem desafios e questões
delicadas que o professor que atua na educação especial enfrenta em seu
cotidiano e propõe a compreensão do ato de ensinar como parte integrante
do trabalho educativo. Saviani (1999, p.17) acerca desta questão,
explica que
[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
Nesse aspecto, entendemos que o trabalho educativo alcança sua finalidade quando cada indivíduo apropria-se da humanidade produzida histórica e coletivamente, ou seja, quando ele, sujeito social, apropria-se dos elementos culturais necessários à sua formação como ser humano.No instituto de Defectologia de Moscou, conforme citamos anteriormente, os professores partem de pressupostos vigotskianos para empreender o processo pedagógico, tomando como referência, em muitas situações, o conceito de desenvolvimento proximal. Duarte (2000, p.25) coloca que Vygotsky, ao apresentar o conceito de zona de desenvolvimento próximo, pressupõe a compreensão das relações entre o ensino e o desenvolvimento intelectual na idade escolar – “ele inicia mostrando que ao analisar o desenvolvimento de uma criança é necessário não se deter naquilo que já amadureceu, também é preciso captar aquilo que ainda está em processo de formação”.
Diante da colocação feita por Duarte, podemos identificar outros princípios da escola de Vygotsky em Zagorski, como a mediação, conforme discutida anteriormente. O mais importante, em nossa opinião, que consta na obra Fundamentos da defectologia (1963), refere-se à proposição de Vygotsky quando este afirma que a educação da criança com deficiência não deve basear-se na deficiência da mesma, mas nos instrumentos adaptativos que podem ajudá-la a superar as barreiras. Assim, a criança pode aprender com as orientações de uma pessoa mais experiente. A criança pode fazer amanhã sozinha a que faz hoje com a ajuda de um adulto ou de outra criança mais experiente, porque "o seu nível de aprendizagem é caracterizado por aquilo que ela consegue fazer de forma independente e por aquilo que ela consegue fazer com a ajuda de outras pessoas" (DUARTE, 2000, p.96).
Outro princípio da escola de Vygotsky, identificado no documentário “As Borboletas de Zagorski”, refere-se ao processo de avaliação, apontado por Barroco e Facci (2004, p. 38)
No processo de avaliação, o professor deve fiar-se na proposição de Vygotsky de que o grau de desenvolvimento cultural do aluno se expressa não só pelo conhecimento por ele adquirido, mas pode ser analisado considerando-se sua capacidade de usar objetos em seu mundo externo e, principalmente, pela capacidade de usar racionalmente seu próprio processo psicológico.
A
forma mais justa de entender a educação, conforme Vygotsky (1997)
defende, a educação que passa à frente do desenvolvimento, vai além e
insere o indivíduo no contexto sócio-histórico.
Natacha a deficiência, o silêncio e a superação.
Havia
uma trepitação constante em meus ouvidos e o mundo parecia muito
estranho, diferente do que era antes da doença e era atormentada por
imagem estranha totalmente desconhecida. Eu estava sempre nervosa e
assustada, pois não entendia o mundo em que estava acostumada. Meu corpo
parou de me obedecer e ele me levava para onde não queria ir. Meus
olhos viam coisas que na verdade não estava lá e quando tentava reagir
às imagens que imaginava estar vendo e ouvindo meus movimentos nunca
eram adequados. As pessoas em minha volta achavam que estava ficando
louca. O meu comportamento era estranho que ninguém conseguia
compreender as minhas verdadeiras intenções. Eu percebi horrorizada que
eu estava verdadeiramente ficando louca. (Documentário, 1963,
Transcrição nossa).
As
palavras de Natacha mostram o lado emocional de uma pessoa ao se ver,
de repente, frente a uma nova deficiência. Natacha fala de sua dor, de
seu desequilíbrio de suas emoções ao adquirir mais uma deficiência.
O documentário As Borboletas de Zagorski está enriquecido com a presença de várias crianças e adolescentes com suas histórias reais de transformações, mas nos limitaremos apenas a uma delas que freqüentou o Lar Zagorski – Natacha. Nossa protagonista coloca que é seguidora do pensamento de Vygotsky por considerar que sua história de vida espelha a teoria do filósofo que acreditou na pessoa com deficiência e dedicou parte de seus estudos em buscar forma de ajudá-las a superar suas limitações.
Natacha chegou ao Instituto de Zagorski aos treze anos de idade, foi educada conforme os pressupostos teóricos de Vygotsky. Sua deficiência visual ocorreu na infância e sua linguagem oral é parecida com a fala de um "passarinho", seqüela de uma doença que danificou suas cordas vocais aos nove anos de idade. Hoje, ela tem a formação e profissão de psicóloga, filósofa e mãe, sendo considerada um produto notável da escola de Zagorski.
Natacha descreve sua chegada a Zagorski e o conflito emocional ao ser inserida no programa de ensino.
“Foi
nessas condições com o corpo desobediente, olhos e ouvidos que me
enganavam com perspectiva do mundo errada e confusa que fui levada a
Moscou com treze anos de idade. Foi ai que conheci as pessoas que
começaram a me ensinar. A princípio, eu não entendia o que elas queriam
de mim, porque eu estava tentando ouvi-las e vê-las como antes. Em vez
disso, elas me obrigaram a compreender através do alfabeto manual. Foi
um processo surpreendente para mim e para outras crianças, para nós,
parecia uma brincadeira. Eu não compreendia e continuava pensando em
ouvir com os meus ouvidos e ver com os meus olhos o que eles tentavam me
mostrar. Esse foi o primeiro estado de educação em que eu compreendi
que não só poderia ver com meus olhos, mas também com minhas mãos. Que
poderia não só ouvir com os meus ouvidos, mas também com as minhas mãos.
A partir desse momento, a ordem entrou no meu mundo”.
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