Em 1578, o rei D. Sebastião desapareceu na Batalha
de Alcácer-Quibir. Não tendo deixado herdeiros, houve uma longa disputa pela
sucessão. Entre os pretendentes estava Filipe, rei da Espanha, que anexou
Portugal ao seu império em 1580. O domínio espanhol duraria sessenta anos (1580
a 1640). Criou-se nesse período o mito popular do "Sebastianismo",
segundo o qual D. Sebastião, retornaria para reerguer o império português.
Entre os nobres desaparecidos em Alcácer-Quibir estava D. João de Portugal, marido
de Madalena de Vilhena. Tendo esperado durante sete anos o retorno do marido,
Madalena acabou contraindo segundas núpcias com Manuel de Sousa Coutinho.
Entretanto, vivia angustiada com a possibilidade de que o primeiro marido
estivesse ainda vivo. Suas angústias eram alimentadas por Telmo Paes, o fiel
escudeiro de D. João. Essa situação perdurou por vinte anos, no fim dos quais,
D. João, que realmente estava vivo, retornou a Portugal. Revelada a sua
identidade, no ponto culminante da peça, o desespero domina todas as
personagens. No desenlace trágico, Manuel Coutinho e Madalena resolvem
tomar o hábito religioso, como forma de expiação; durante a cerimônia, Maria de
Noronha, filha do casal, tomada pela vergonha e pelo desespero, morre aos pés
de seus pais. A atitude de Manuel de Sousa Coutinho em relação ao domínio
espanhol assim como o retorno de D. João de Portugal (associado, evidentemente,
ao sebastianismo) inserem-se na temática nacionalista, tão cara aos românticos
da primeira geração."
Personagens
principais:
- D. Manuel
Coutinho de Souza (protagonista): herói romântico; filho de Lopo de Souza
Coutinho; segundo esposo de D. Madalena; fidalgo honrado e religioso; abandona
o nome de batismo ao ser convertido em frei. Passa a chamar-se Frei Luís de
Souza.
- D. Madalena de
Vilhena: foi esposa de D. João de Portugal; mulher recatada, virtuosa,
cristã, dada a presságios; converte-se também à vida religiosa, recebendo o
título Sóror Madalena. Os seus temores a impediram de desfrutar plenamente a
felicidade de estar casada com D. Manuel. Revela que se apaixonou pelo segundo
marido antes de ficar viúva e sente-se culpada e pecadora.
- D. João de
Portugal: guerreiro honrado e generoso; parece ser cruel e vingativo, mas
perdoa a esposa; pede a Telmo que salve D. Madalena e D. Manuel do triste fim
que os aguardava.
- Maria de Noronha:
filha do segundo casamento de D. Madalena; aos treze anos apresenta-se como
menina pura, inteligente, perspicaz, intuitiva, estudiosa e que gosta de ler. É
carregada de virtudes que a diferenciam das outras meninas da sua idade. É
muito influenciada por D. Telmo. D. Madalena afirma que a menina não ouve, não
crê, não sabe senão o que D. Telmo lhe diz. Sofre de tuberculose e morre no
final da peça. Segundo Vasco Graça Moura , uma análise psicológica da obra
revelaria uma conexão entre Maria e a filha ilegítima de Almeida Garrett com
Adelaide Pastor.
- Telmo Paes:
escudeiro que ajudou a criar D. Manuel, e antigo amigo da família que dizia
amar Maria como se fosse sua filha. Alimenta os temores de D. Manuela e não
impede que ela e o marido se entreguem ao claustro. Desejava o tempo todo o
retorno de D. João de Portugal.
- Frei Jorge: irmão
de D. Manuel; evita que Telmo apresente a solução proposta por D. João de
Portugal para livrar a família de D. Manuel da degradação social. Portador do
discurso católico que promete consolar os sofredores, caso se convertam à
religião e aceitem os desígnios de Deus.
- Miranda e Doroteia:
criados de D. Manuel e D. Madalena. Doroteia é a aia de Maria.
- D. Joana de Castro:
tia de Maria que abandona o esposo para se tornar freira.
- Romeiro: D. João de
Portugal que retorna do cativeiro na Terra Santa e não é reconhecido por D.
Madalena.
Observações:
- As personagens são
descritas ao longo da peça e através dos diálogos das personagens.
- Não há referências
aos atributos físicos das personagens, exceto em raríssimos casos como o de
Maria que sabemos ser uma menina franzina.
- Os criados não são
descritos de forma alguma; somente seus nomes e suas ocupações são mencionados.
A classe fidalga é privilegiada neste sentido.
- As personagens
Telmo Paes e Frei Jorge crescem no terceiro ato, tornando-se fundamentais para
o desfecho trágico da peça.
- Almeida Garrett trata D. Sebastião e Luís Vaz de Camões de forma tão
atenciosa, que podemos considerá-los personagens secundárias.
Espaço e Tempo:
- A trajetória das
personagens limita-se às cidades Lisboa e Almada, numa época de peste em
processo de declínio.
- Influência das
lutas pela liberdade religiosa no século XVI. Os ingleses já haviam traduzido
as sagradas escrituras. Em Portugal, somente os religiosos dominavam os
segredos do catolicismo, porquanto as missas eram rezadas em Latim.
- Influência do
Iluminismo: observemos a definição extraída do Dicionário Aurélio – Século XXI:
Filosofia das Luzes:
Movimento filosófico do séc. XVIII que se caracterizava pela confiança no
progresso e na razão, pelo desafio à tradição e à autoridade e pelo incentivo à
liberdade de pensamento. [Sin.: iluminismo, ilustração. Tb. se usam o alemão: Aufklärung
e o ingl. Enlightenment. ]
Vejamos, agora, o que
D. Manuel diz à Maria:
“E Deus entregou tudo
à nossa razão, menos os segredos de sua natureza inefável, os de seu amor e da
sua justiça e misericórdia para conosco. Esses são os pontos sublimes e
incompreensíveis da nossa fé! Esses crêem-se; tudo mais examina-se.”
Características
Românticas:
- Nacionalismo: as
personagens falam e agem, demonstrando um patriotismo ufanista:
“– O meu nobre pai!
Oh, meu querido pai! Sim, sim, mostrai-lhe quem sois e o que vale um português
dos verdadeiros!”
- Idealização de
personagens femininas: Maria, D. Manuela, D. Joana de Castro são exemplos das
mais diversas virtudes. O segundo casamento de D. Manuela não chega a ser uma
atitude pecaminosa, posto que procurou por D. João de Portugal durante sete
anos, investindo uma grande quantia de dinheiro nessa procura. Somente quando
todos, exceto Telmo Paes, desacreditaram na possibilidade de D. João
estar vivo, consolidou sua união com D. Manuel. Maria, por sua vez, é citada
como um anjo de bondade.
- Pessimismo: é
facilmente detectado no diálogo das personagens:
“– Meu adorado
esposo, não te deites a perder, não te arrebates. Que farás tu contra esses
poderosos?”
“Crê-me que to
juro na presença de Deus; a nossa união, o nosso amor é impossível.”
Notamos que esse pessimismo explícito abre portas ao metafísico, sob a
forma de presságios e agouros, que disputam, em pé de igualdade com os dogmas
do catolicismo, a fé popular. Algumas personagens acreditam em Deus, mas crêem
igualmente que seus medos e suas sensações são avisos de que alguma coisa ruim
realmente acontecerá:
“...não entremos com os teus agouros e profecias do costume: são sempre
de aterrar... Deixemo-nos de futuros...”
“... agora não lhe sai da cabeça que a perda do retrato é prognóstico
fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada, mas
certa, que a tem de separar de meu pai.”
- Sentimentos e
emoções conturbados: não há paz e tranqüilidade no relacionamento das personagens
principais. Amor e medo caminham juntos, gerando atitudes precipitadas e
movidas pelo desespero:
“...peço-te vida,
vida, vida... para ela, vida para a minha filha!”
“– Se Deus quisera
que não acordasse!”
“– Vamos; eu ainda
não me intendo bem claro com esta desgraça. Dize-me, fala-me a verdade: minha
mulher...– minha mulher! com que boca pronuncio eu ainda estas palavras! – D.
Madalena o que sabe?”
- A natureza também
não se apresenta sempre tranqüila. Vimos na descrição do Tejo que suas águas
ficam furiosas quando o tempo muda:
“Mas neste tempo não
há de fiar no Tejo: dum instante para o outro levanta-se um nortada... e então
aqui o pontal de Cacilhas! Que ele é tão bom mareante...”
- Escapismo: quando a
situação adquire uma carga insuportável de sofrimento moral e emocional, os
protagonistas não enfrentam o repúdio da sociedade e aceitam o refúgio na vida
religiosa:
“– Madalena...
senhora! Todas estas coisas são já indignas de nós. Até ontem, a nossa
desculpa, para com Deus e para com os homens, estava na boa-fé e seguridade de
nossas consciências. Essa acabou. Para nós já não há senão estas mortalhas
(tomando os hábitos de cima da banca) e a sepultura dum claustro.”
Análise dos atos e
das cenas:
Primeiro ato:
- Subdivide-se em
doze cenas.
- Câmera antiga e
luxuosa dos princípios do século dezessete.
- Apenas um retrato
do cavaleiro São João de Jerusalém.
- Menciona a posição
das portas que será invertida no ato seguinte.
- Começa num início
de tarde em Lisboa.
Segundo ato:
- Subdivide-se em
quinze cenas.
- Palácio, em Almada,
que pertencera a D. João de Portugal.
- O salão antigo, de
gosto melancólico e pesado, cria um contraste com o cenário do primeiro ato.
- Há vários retratos,
entre eles os do Del-rei D. Sebastião, Camões e D. João de Portugal.
- A posição das
portas faz, como no primeiro ato, referência ao interior e exterior do
ambiente. A inversão causa uma sensação de real mudança de domicílio.
- O aspecto religioso
transparece através da Capela da Senhora da Piedade e da Igreja de São Paulo.
- Não é mencionado em
que parte do dia este ato se desenvolverá.
Terceiro ato:
- Subdivide-se em
doze cenas.
- Ocorre na parte
baixa do Palácio, onde encontramos a Capela da Senhora da Piedade da Igreja de
São Paulo dos Domínicos d’Almada.
- Os móveis e a
ornamentação intensificam a melancolia do ambiente. A simbologia da cruz de
tábua negra com o letreiro INRI sugere sacrifícios de cunho religioso.
- As cores, além de
mais escuras, são acrescidas do peso dos materiais de que são feitos os
objetos: castiçal de chumbo.
- A iluminação
noturna, composta de tochas e velas, não dispensa a declaração de que o ato
começa na total ausência de luz solar: “é alta noite”.
Os três atos desenvolvem-se em ambientes diferentes que acompanham o
clima de tensão, e colaboram de forma graciosa para a sua intensificação. O
declínio de luzes e cores dá o exato tom sombrio e triste, condizente com o
destino das personagens.
A descrição dos cenários é feita de forma objetiva, sem rebuscamento de
linguagem, assemelhando-se a uma lista de ingredientes.
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